Viagem no Tanaka (dias 17 e 18)
A primeira noite de rede foi tranquila. ainda não me habituei totalmente a dormir nela, mas não foi mau.
Sendo o barco aberto dos lados o barulho do barco a cruzar as águas é uma companhia constante durante a noite e o acordar é com o nascer do Sol, às Seis da Manha. Levantei-me agarrei na máquina e fui para o tombadilho no 3° piso do barco tirar fotos. Estava uma cor fantástica.
Entretanto às 7 da manhã após uma série de fotos que se iam repetindo, desci para tomar o café da manhã.
Nas traseiras do barco existe uma mesa com sucos, café e leite, sanduíches mistas, uns quadradinhos de bolo e às vezes um mingau de tapioca doce delicioso servido nuns copinhos de plástico. Simples mas sabia muito bem. Todo o pessoal do barco fazia uma fila interminável (aqui não se pode dizer bicha) para levantar o seu "rango" e ir comer para o terceiro piso vendo as paisagens fantásticas do amazonas.
A seguir banho (o primeiro de muitos ao longo do dia). As casas de banho do barco , são muito básicas, chuveiro no tecto bem no meio da casa de banho e uma sanita. É limpa pela força dos muitos banhos que aí se tomam ao longo do dia, mas mesmo assim é indispensável uns chinelos ou umas havaianas.
Enquanto isso o barco vai subindo sem pressas o Amazonas (neste caso o Rio Negro).
O rio aqui é de uma largura incrível, chega a ter mais de 2 km de largura. A água é da cor de café embora cristalina, a descrição mais apropriada é mesmo de um chá muito forte e saturado. É a decomposição das folhas e a própria rocha que dão esta cor ao rio. O facto de ser uma zona rochosa ajuda a que não existam lamas em suspensão como era no Rio Madeira onde estive e no próprio Solimões e que dão aí uma cor barrenta à água.
Neste rio não há mosquitos, o que reduz em muito o risco de Malária. É a própria acidez muito elevada desta água que não permite que os mosquitos procriem nestas águas.
A selva virgem e luxuriante aqui é uma constante ao longo do caminho em ambas as margens. A pobreza dos solos e a rocha aqui nesta zona do amazonas dificulta a fixação de populações sendo uma das principais causas da preservação quase total da selva virgem.
De vez em quando, muito raramente, vêem-se umas pequenas casas de madeira junto ao rio, quase escondidas pela vegetação de pessoas que vivem da pesca.
Neste momento o rio encontra-se em baixo, mais seco do que é costume, o que, em alguns troços, obrigava o barco a andar mais devagar ainda do que a já lenta marcha com que estávamos a viajar, para não corrermos riscos de encalhar.
A viagem no seu total ia ser de três noites e dois dias.
A água é muito calma pelo que a selva fica perfeitamente reflectida na água como um espelho simétrico.
De animais nesta viagem vê-se pouco, só pássaros vários, incluindo os célebres papagaios verdes e as araras e alguns botos (golfinhos) que ocasionalmente saltavam ao pé do barco.
Neste primeiro dia fomos acompanhados ao longo do caminho por um outro barco igual, o Comandante Natal que nos acompanharia até Barcelos (sim muitas cidades aqui têm o mesmo nome de cidades portuguesas, tal como Bragança, Santarém, Óbidos, Borba, Alenquer etc etc).
O pôr do Sol no Amazonas tem umas cores incríveis que se reflectem na imensa vastidão destas águas, criando composições de imagens, sombras e reflexos fantásticos!!! Como é óbvio não me cansei de tirar fotos.
De resto o barco vai subindo no seu ritmo calmo e compassado...
Nesta viagem, com tanto tempo livre vamos conhecendo as pessoas que embarcaram connosco:
-O professor Ilsôn (seria Wilson mas no registro ficou assim) que sabe tudo sobre estas terras por onde iríamos passar;
-O António filho de português e de índia e cujas feições "puxaram" à mãe, um "cara muito bacana", trabalha nos correios de santa Isabel, que também funciona como banco e disse-me que me resolveria o problema se eu precisasse de levantar dinheiro;
-O Ibraim um estudante de Manaus que ia para casa em Santa Isabel de férias;
-O Dr. Sérgio e a mulher, que trabalha como dentista percorrendo as populações indígenas trabalhando e dando também formação às populações sobre higiene oral. Um trabalho muito interessante e que deve dar uma sensação de realização muito grande. Para chegar a algumas dessas comunidades indígenas são alguns dias de viagem (tinha uma máquina fotográfica igual à minha pelo que trocámos algumas impressões sobre a máquina);
-A Marina uma bióloga que estava a subir para S. Gabriel numa campanha para estudar os pássaros da Amazónia;
-O Sílvio, um Índio Tucano com um aspecto muito citadino,
-etc, etc, etc...
Numa viagem de dois dias e três noites completos em que o barco vai subindo lentamente, é a forma ideal de relaxar e entrar no verdadeiro ritmo da Amazónia, com calma, em que há tempo para tudo e tudo se passa sem pressa.
Ao longo de um rio em que estes barcos são quase o único meio de transporte e contacto entre as localidades ao longo de quase 1000 km de rio e em que o barco só passa uma vez por semana, mesmo que alguém quisesse ter pressa não consegue nem tem como conseguir.
Este barco serve também, de transporte de mercadorias de uma localidade para outra. O avião aqui é para os turistas, vereadores prefeitos etc...
Depois da fila para a janta, que começa às 19h, vai tudo para o piso superior do barco ver a novela, notícias e algum eventual filme. Sim o barco tem uma televisão, com uma antena parabólica, que tem que ter um operador constante a direccionar a antena enquanto o barco vai mudando de direcção no seu navegar normal.
A janta é igual ao almoço e o menu consta de arroz, massa, galinha, carne guisada, farofa e salada. Sem variação duma refeição para outra mas saborosa.
É noite a partir das 18h pelo que a hora de recolher às redes para dormir é muito cedo, cerca das 21h. As redes estão penduradas, apinhadas, umas ao lado das outras e umas por cima das outras. E vamos dormindo ao sabor do balanço leve do barco.
5 de Novembro - Domingo - (dia 18)
Acordar às 6h da manhã para fotografar o nascer do Sol. estava outra vez um nascer do Sol fantástico (mas ainda não tomei bem o jeito da rede!!!!!).
Fila para o café da manhã (igual) e pouco depois o barco fez a sua primeira paragem (e única antes da nossa chegada a Santa Isabel) Barcelos.
Mesmo antes de atracarmos em Barcelos passamos junto a uma ilha em que existe um restaurante com um aspecto fantástico. Meio inserido nas árvores dessa ilha e com um varandim bem convidativo.
Começa o corrupio de embarque e desembarque de passageiros e bagagem. É nesses momentos que podem desaparecer mochilas e outros pertences pelo que antes de desembarcarmos para dar uma volta rápida por Barcelos fechámos as mochilas a cadeado e prendemos as mochilas umas às outras.
Estava outro barco atracado pelo que atracámos junto a ele e foi pelo meio desse outro barco que tivemos que passar para desembarcar, pelo meio de mercadorias e carregadores.
Barcelos já foi em tempos capital da capitania de S. José do Rio Negro (seria o que Manaus é hoje, capital do Amazonas) e surpreendentemente é menor do que muitas aldeias pequenas em Portugal.
É um conjunto de casas junto ao rio com uma estrada principal paralela ao rio com outras perpendiculares que dão a sensação de acabarem na mata. De edifícios mais antigos ou com alguma traça tradicional , tem apenas a igreja e umas duas casas, de resto são pequenas casas de comércio e de habitação ao longo dessas ruas e ainda muitas casas muito simples construídas em madeira, geralmente sobre estacas por causa das enchentes comuns.
Aproveitei para tentar telefonar para dar notícias uma vez que aqui não existe mesmo telemóvel, ao contrário do que eu julgava. Parece estranho esse conceito mas é verdade ainda existem lugares sem telemóvel.
Depois do embarque (foi apenas uma hora de paragem), e da partida do barco, é possível ver, junto à margem, uma série de pequenos barcos atracados, que servem também de habitação para parte da população de Barcelos.
uma hora depois, o dia passou-se como o anterior, falando com as pessoas, comendo às horas dos "ranchos", tirando fotos e abrandando o meu próprio ritmo interno. Já não me lembrava de me ser permitida esta calma!!!
O Dr. Sérgio mostrou-nos, a mim e ao Ernesto fotografias que tirou nas suas visitas às comunidades indígenas. Fotos muito boas e interessantes.
Para além da calma a outra constante são os duches. Este calor abafado põe-nos num estado de suor constante pelo que os duches que tomamos são tantos que se perde a conta!!!
Mais um pôr do Sol hipnotizante e dezenas de fotos, algumas muito repetidas, mas não me cansei de tirar.
Ir para a rede cedo, após mais um duche, claro!!!
O barco não pára de noite. Nestas duas noites esteve lua cheia que ajudou a navegação e permitiu recuperar muito tempo do atraso que tivemos da partida.
Comecei finalmente a tomar o jeito da rede. Uma pessoa deve ficar atravessada para poder ficar totalmente na horizontal. Amanhã cedo chegamos a santa Isabel!!